quarta-feira, 21 de março de 2012

CÓLERA

O sol já alto entrava pela fresta da veneziana, Maria Zinha já decidira, não ia à escola, não tinha livros, o prazo esgotara, o diretor não permitiria sua entrada.Continuou deitada no colchão de palha, na penúria e fedendo a urina, tapou os ouvidos, seu pai chegara pro almoço, vinha furioso, abriu a porta aos berros:
- Maria Zinha, porque ocê num foi à aula?
 A menina encolheu se no colchão e em soluços balbuciava:
- Ô seu Mário num dexa entrá sem us livro!!
O pai cristão era também enérgico e violento, cerrou os dentes e arrastou a menina pelos cabelos até a cozinha, a mãe também cristã e submissa presenciava a cena calada enquanto soprava o carvão do fogão a lenha.
Maria Zinha chorava lágrimas e catarro, o pai segurava um açoite e esbravejava:
- Pára de chorar negrinha vadia!! senão te soco!!
- Não papai! pur favor! num me bate!!  A menina suplicava de joelhos e soluçava.
O pai era teimoso, estúpido quando chegava da roça com fome, levantou o açoite com uma mão e com a outra levantou a menina pelos cabelos, trancou novamente a dentadura e a açoitava com fúria, como fazia com a égua Bolinha quando esta empacava no riacho, sua ira era cega, humilhava enquanto batia:
- Tôma negrinha vadia!! negrinha vadia!!
O irmão Jeremias , já era rapazola e tinha ouvido os berros de Maria Zinha lá do cafezal, veio correndo, entrou na cozinha e pediu ao pai:
- Pára de bater papai !! a menina num vai aguentá!!
O pai saiu do surto , soltou os cabelos da menina  e esta caiu no rústico cimento batido,o vestidinho de chita pingava sangue do lábio gretado e coloria as margaridinhas opacas do tecido, Maria Zinha se concentrou nas pétalas tingidas, não encarava nada acima de sua cabeça. 
- Limpa isso negrinha nojenta!! Ordenou o pai
Maria Zinha soluçando baixinho começou a limpar com um trapo o próprio sangue que ainda pingava, espirrando rubro cólera e tristeza.
Sentaram se à mesa de madeira escura o pai, a mãe e o irmão para almoçarem, Maria Zinha continuou ali agachada junto ao fogão a lenha, sem forças para se levantar, humilhada, como um bicho ferido. Tentou levantar a cabeça e encarar o pai e deu de cara com a mãe a olha la piedosa, sentiu pena de si mesma e pensou que amanhã também apanharia, teve uma idéia,pegaria o bornal e se esconderia no galpão de Luzinete, fingiria ir `a aula. Bateu lhe uma enorme tristeza quando lembrou que teria que se esconder todos os dias no galpão de Luzinete,pelo menos era melhor do que apanhar, já que seu pai não tinha o dinheiro para lhe comprar os livros e mesmo assim a castigava, não entendia sua exclusão em sala de aula.
A professora, Dona Vilce, gostava muito de Maria Zinha e depois de três dias foi ao sítio saber o motivo de suas faltas.
- Treis dia??? ela faltou um dia só! Dona Professora! disse o pai já irritado.
Maria Zinha ouvia a conversa atrás da porta com as pernas trêmulas.
Quando Dona Vilce saiu , Maria Zinha desejou ser o cavalo que conduzia sua carroça, temendo já o que estava por vir, acompanhou com os olhinhos tristes a professora que sumia pela trilha de chão de terra com a sombrinha florida protegendo seus coques.
O pai entrou no quarto, com a velha expressão que sempre assombrou sua prole: testa franzida, dentes cerrados, na mão o velho açoite, não disse nada, só batia, com tanta força que se cansou.
A menina chorou a tarde inteira,suas pernas ardiam,os cortes ainda sangravam, chorava de ódio, de dor,de revolta, à noite sua mãe a chamou para o jantar, veio mancando até a cozinha, sentou se e a mãe pôs a sua frente o prato de sopa fumegante, o pai tomava sopa aspirando o caldo da colher, Maria Zinha encarou o pai enquanto ele estava concentrado na sopa,teve ódio dele e de si mesma, desejou não existir, não acordar no dia seguinte,olhou para as pernas roxas açoitadas, veio lhe um nó na garganta, engoliu o choro junto com a sopa, sem encarar o pai, sem encarar a miséria.
                                                                                         Dennis Lurm

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