quarta-feira, 21 de março de 2012

FELICIDADE



Era uma vez uma senhora que desde menina tinha uma vontade enorme de possuir um desses copos antigos, todos
trabalhados a ouro e salpicados de florinhas multicores que trazem desenhada em letras finas a palavra “ Felicidade”. Outrora
era muito comum, depois passaram de moda, deixaram de ser fabricados e foram-se tornando cada vez mais raros e preciosos,
tão difíceis de obter quanto a própria felicidade. A senhora de minha história procurou durante anos um copo assim. Não
encontrava, mas não desistia, continuava procurando, às vezes esquecia, mas logo lembrava e recomeçava a busca. Mas
quando entrava nas lojas ou antiquário e perguntava: “ Os senhores por acaso terão um  copo com “Felicidade” escrito em
dourado?”, os vendedores ou não sabiam do que se tratava, ou respondiam com indiferença caçoísta: “Minha senhora, copos
desse tipo não se usam mais!”
Um dia, indo à Casa Rola comprar não sei o quê, descobriu junto a uma porção de outros cristais, um copo como o que
sempre sonhara... Um copo de cristal com flores verdes e rosadas, desenhos finíssimos e a palavra “ Felicidade” em letras de
ouro. Ficou radiante e surpresa: o seu copo! Logo ali, na Casa Rola, naquela desordem, naquele belchior escuro, entre uma
quantidade disparatada de coisas, jamais pudera pensar! Quem diria! Lá estava o copo “ Felicidade”... Encontrou o copo  mas
não pôde levá-lo. Era uma preciosidade, uma raridade, caríssimo, inteiramente fora de suas posses. Saiu com o coração triste
e as mãos vazias, sem o copo com a inscrição “ Felicidade”, que finalmente achara, mas não seria seu, pois o preço era
demasiado alto.
Nunca teve coragem de voltar, parou de procurar e parou de pensar no copo, mas acontece que tempos depois pegou
fogo na Casa Rola, e passando acidentalmente na Rua Senador Dantas, a tal senhora viu uma vitrina com “ salvos do incêndio”...
Objetos variados, vasos, estatuetas, (...). Daquela vez saiu da Casa Rola com o copo! Salvo do incêndio, mera coisa sem valor
entre centenas de outras, pusera-se a seu alcance e afinal era seu. Parecia milagre! Felicidade... Mas, chegando em casa
verificou que o copo estava rachado, uma racha fininha, feia e implacável, que cortava ao meio a palavra risonha, a inscrição
dourada: “ Felicidade” ...
A senhora guardou o copo assim mesmo, conserva-o com carinho e teme que possa quebrar-se de vez. Mas sempre
que perto dela se fala em felicidade, se existe ou não, se é questão de sorte ou luta, recompensa ou acaso, se dura ou é
efêmera, e se qualquer um pode obtê-la,  a senhora de minha história não diz nada, e suspira pensando no copo.
                                     Maluh de Ouro Preto

3 comentários:

  1. Sempre relia esse texto da Maluh e sempre me encantava com ele, nunca saiu da minha cabeça, acho a narrativa muito bem construída, o tema da felicidade fazendo uma metáfora com o copo fez de uma idéia singela algo épico.

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  2. Acho fantástico este texto, pois quando eu nasci meu pai me presenteou com um copo mais ou menos assim, ele é de louça na cor branco, escrito FELICIDADES, em dourado. Na verdade, sempre que me minha mãe tinha um filho, o meu pai presenteava a criança com um copo escrito FELICIDADES e para minha mãe ele oferecia um outro copo escrito PRABÉNS. E no meu caso tenho o meu copo até nos dias de hoje, ele juntamente comigo, está completando 56 anos de idade. Vanda Pego

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  3. EU TAMBÉM SUSPIRO POR OBJETOS AI AI AI

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